terça-feira, 8 de março de 2011

A Natureza mostrando sua força, com todo seu poder. Muito ajuda, quem não atrapalha.

Manobra de Valsalva

      Encha o peito de ar, feche a boca e agora faça força! Esta é seguramente uma frase conhecida pela maioria das mulheres que já passou pela preparação para o parto e/ou por um parto vaginal. Este tipo de respiração tem tecnicamente o nome de Manobra de Valsalva.Na origem desta frase está o Dr. António Valsalva (1666/1723). A manobra de Valsalva foi originalmente um método de “soprar” o ouvido médio, e que ainda é praticado. É igualmente uma ferramenta de diagnóstico utilizada para avaliar a condição cardíaca e é por vezes feita como tratamento de correcção de ritmos cardíacos anormais e de alívio das dores no peito. O seu uso na obstetrícia começou quando as mães altamente medicalizadas não conseguiam sentir a forte vontade de fazer força e acreditava-se que a manobra de Valsalva iria acelerar a descida do bebé e assim dar lugar a um parto mais rápido.O que dizem os meios científicos da utilização desta manobra no parto?

      Comecemos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) transcrevendo as suas recomendações nesta matéria:

“4.4 O procedimento de fazer força na segunda fase do trabalho de parto
      A prática de estimular o fazer força de forma prolongada e dirigida (manobra de Valsalva) durante a segunda fase do trabalho de parto é amplamente utilizada em muitas maternidade. A alternativa é apoiar o padrão espontâneo da mulher de fazer força. Vários estudos compararam estas duas práticas (Barnett e Humenick 1982, Knauth e Haloburdo 1986, Parnell e al 1993, Thomson 1993). A força involuntária resultou em três a cinco “forças” relativamente curtas (4-6 segundos) a cada contracção, comparando com forças continuas com 10-13 segundos de duração, acompanhadas por apneia forçada. O segundo método resulta numa segunda fase um pouco mais curta, mas pode causar alterações de frequência e de volume de fluxo cardíaco provocadas pela respiração. Se a mulher estiver deitada de costas, pode haver também compressão da aorta e redução do fluxo sanguíneo ao útero. Nos estudos publicados, o pH médio na artéria umbilical foi menor nos grupos com força prolongada, e havia uma tendência para depressão dos valores de Apgar. As evidências existentes são poucas, mas delas emerge um padrão onde o fazer força de forma prolongada e precoce resulta numa diminuição modesta da duração da segunda fase, mas isto não parece trazer nenhum benefício; parece haver comprometimento das trocas gasosas materno-fetal. A força espontânea curta parece ser melhor (Sleep et al 1989).
      Em muitos países, é comum a prática de fazer pressão no fundo do útero durante o segundo estágio do trabalho de parto, com a intenção de acelerar o nascimento. Ás vezes isto é feito pouco antes do desprendimento, outras desde o início do período expulsivo. Além do aspecto do maior desconforto materno, suspeita-se que esta prática possa ser perigosa para o útero, períneo e feto, mas não existem dados de pesquisa sobre este assunto. A impressão é que, no mínimo é usado com muita frequência, sem que existam evidências da sua utilidade”. (1)
      Não é nossa intenção transcrever este manual da OMS, mas no ponto 4.3, é também abordada a questão de quando dar inicio á chamada “fazer força”. A recomendação da OMS, vai naturalmente, no sentido de esperar que ela seja espontânea, tal como é suposto numa abordagem fisiológica, independentemente de a dilatação já estar completa. (1)
     Apesar destas recomendações e directrizes se manterem já há 10 anos, parece que a resistência à mudança na prática leva a que o tema continue a ser alvo de estudos.
     Em Janeiro de 2006 o Gray Journal (Jornal Americano de Obstetricia e Ginecologia) publicou um estudo que revela o seguinte:“ a diferença tem pouco impacto em todo o tempo do parto, cujos especialistas dizem que pode ir além das 14 horas em média, quando ás mulheres foi dito para fazer força em cada contracção, deram à luz 13 minutos mais rápido que aquelas que não receberam qualquer tipo de instrução”.(2)
      A manobra de Valsalva foi ainda identificada como um dos factores de risco de trauma genital em partos vaginais espontâneos e normais, hospitalares, em mulheres primíparas assistidas por enfermeiras-parteiras, num estudo publicado no The Birth Journal em Junho de 2006. (3)
      Se experimentar fazer a manobra de Valsalva, independentemente da posição em que estiver consegue perceber que o efeito gerado é o contrário ao que o corpo necessita (sensação essa que é ampliada no período expulsivo, ou seja o períneo é contraído em lugar de descontrair).
      Poder-se-á ainda questionar se o tão falado e sem suporte científico, recurso á episiotomia, não será também fruto da manobra Valsalva, tendo em conta as suas consequências na zona do períneo.
      Acreditar que a mulher tem que aprender a respirar para o trabalho de parto e parto, como se de uma varinha mágica se tratasse, para levar ao sucesso da experiência do parto é algo que já não faz sentido.
      O Lamaze Institute, que divulgou amplamente esta técnica durante vários anos, vive actualmente uma época de pouco aceitação a nível internacional, exactamente pela imagem histórica que criou de uma preparação para o parto, tendo como “marca” a respiração. De forma a contrariar e a demonstrar a mudança de atitude na preparação para o parto, no seu último guia The Official Lamaze Guide, fala mesmo de repensar a respiração e relaxamento.      
      Neste guia, a mulher é convidada a encontrar a sua própria respiração consciente, e a procurar outras formas de se anter activa para lidar com as contracções: andar, dançar, massagens, bolas de parto, baloiçar, etc. Em suma, respirar já não é o ensino ou a prática, do Lamaze Institute.
      No entanto em Portugal o método Lamaze utilizado nas preparações continua a ser aquele que o próprio Instituto deixou já há uns bons anos.
      No processo natural, é normal pensarmos que a fecundação de um bebé foi feita entre sons e gemidos de satisfação, de uma relação sexual amorosa, e isso não choca, nem surpreende ninguém.
      Ao escutar-se os sons emitidos pelas mulheres livres durante a fase de expulsão do bebé, sem ver a imagem correspondente, facilmente se os confunde.
      Nada então faz mais sentido, que este mesmo inicio, termine, num período com manifestações semelhantes.

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      Compete à sociedade aprender que tem que escutar a mulher no parto e dar tempo para que este se concretize , pois é algo que faz parte da fecundação e do inicio da vida.
      Poder-se-á pensar que é primitivo e animalesco, e é seguramente, tal como um orgasmo.
      Aceitaria ter aulas de preparação sexual em que lhe fosse ensinado como fazer e actuar no momento de um orgasmo?
      Se aos profissionais compete actualizarem-se com base nas evidências, mudarem as suas práticas, deixarem o parto fluir naturalmente no seu processo fisiológico, e participarem na tão grandiosa tarefa de apoiar a mulher, ás mulheres, compete-lhes recuperarem a confiança na sua capacidade inata de qualquer “fêmea” de parir, escutando os seus instintos, em lugar de esperarem por “ordens” externas.
      Todos deveríamos re-aprender que o período expulsivo fisiologicamente funciona e que não necessita de ser cronometrado nem dirigido por técnicas respiratórias. Precisa apenas de ser espontâneo para quem está directamente envolvido: Mulher e Bebê!
      Em suma, toda a forma como se acolhe e cuida do parto precisa de Re-Nascer, para que o Parto volte a ser algo em que podemos confiar sem medos, sem que isso signifique que não se esteja alerta.

Sandra Oliveira - Doula
BioNascimento

Referências:

(1) - Care in normal birth: A practical guide. 1996, WHO
(2) - Coaching women during childbirth has little impact, Dec 30, Reuters
(3) -Leah L. Albers CNM, DrPH, Kay D. Sedler CNM, MN, Edward J. Bedrick PhD, Dusty Teaf MA, Patricia Peralta
(2006)
Factors Related to Genital Tract Trauma in Normal Spontaneous Vaginal Births Birth 33 (2), 94–

Recomendações da Organização Mundial da Saúde no Atendimento ao Parto Normal

         A OMS divide as práticas comuns da assistência obstétrica em quatro grupos. Com base em evidências científicas atuais, recomenda-se ou não recomenda-se ou não determinadas práticas. Veja abaixo:
A) Condutas que são claramente úteis e que deveriam ser encorajadas
B) Condutas claramente prejudiciais ou ineficazes e que deveriam ser eliminadas
C) Condutas freqüentemente utilizadas de forma inapropriadas
D) Condutas freqüentemente utilizadas de modo inadequado

       A) Condutas que são claramente úteis e que deveriam ser encorajadas

1. Plano individual determinando onde e por quem o parto será realizado, feito em conjunto com a mulher durante a gestação, e comunicado a seu marido/ companheiro e, se aplicável, a sua família.
2. Avaliar os fatores de risco da gravidez durante o cuidado pré-natal, reavaliado a cada contato com o sistema de saúde e no momento do primeiro contato com o prestador de serviços durante o trabalho de parto e parto.
3. Monitorar o bem-estar físico e emocional da mulher ao longo do trabalho de parto e parto, assim como ao término do processo do nascimento.
4. Oferecer líquidos por via oral durante o trabalho de parto e parto.
5. Respeitar a escolha da mãe sobre o local do parto, após ter recebido informações.
6. Fornecimento de assistência obstétrica no nível mais periférico onde o parto for viável e seguro e onde a mulher se sentir segura e confiante.
7. Respeito ao direito da mulher à privacidade no local do parto.
8. Apoio empático pelos prestadores de serviço durante o trabalho de parto e parto.
9. Respeitar a escolha da mulher quanto ao acompanhante durante o trabalho de parto e parto.
10. Oferecer às mulheres todas as informações e explicações que desejarem.
11. Não utilizar métodos invasivos nem métodos farmacológicos para alívio da dor durante o trabalho de parto e parto e sim métodos como massagem e técnicas de relaxamento.
12. Fazer monitorização fetal com ausculta intermitente.
13. Usar materiais descartáveis ou realizar desinfeção apropriada de materiais reutilizáveis ao longo do trabalho de parto e parto.
14. Usar luvas no exame vaginal, durante o nascimento do bebê e na dequitação da placenta.
15. Liberdade de posição e movimento durante o trabalho do parto.
16. Estímulo a posições não supinas (deitadas) durante o trabalho de parto e parto.
17. Monitorar cuidadosamente o progresso do trabalho do parto, por exemplo pelo uso do partograma da OMS.
18. Utilizar ocitocina profilática na terceira fase do trabalho de parto em mulheres com um risco de hemorragia pós-parto, ou que correm perigo em consequência de uma pequena perda de sangue.
19. Esterilizar adequadamente o corte do cordão.
20. Prevenir hipotermia do bebê.
21. Realizar precocemente contato pele a pele, entre mãe e filho, dando apoio ao início da amamentação na primeira hora do pós-parto, conforme diretrizes da OMS sobre o aleitamento materno.
22. Examinar rotineiramente a placenta e as membranas.

  B) Condutas claramente prejudiciais ou ineficazes e que deveriam ser eliminadas

1. Uso rotineiro de enema.
2. Uso rotineiro de raspagem dos pelos púbicos.
3. Infusão intravenosa rotineira em trabalho de parto.
4. Inserção profilática rotineira de cânula intravenosa.
5. Uso rotineiro da posição supina durante o trabalho de parto.
6. Exame retal.
7. Uso de pelvimetria radiográfica.
8. Administração de ocitócicos a qualquer hora antes do parto de tal modo que o efeito delas não possa ser controlado.
9. Uso rotineiro da posição de litotomia com ou sem estribos durante o trabalho de parto e parto.
10. Esforços de puxo prolongados e dirigidos (manobra de Valsalva) durante o período expulsivo.
11. Massagens ou distensão do períneo durante o parto.
12. Uso de tabletes orais de ergometrina na dequitação para prevenir ou controlar hemorragias.
13. Uso rotineiro de ergometrina parenteral na dequitação.
14. Lavagem rotineira do útero depois do parto. Revisão rotineira (exploração manual) do útero depois do parto.

       C) Condutas freqüentemente utilizadas de forma inapropriadas

1. Método não farmacológico de alívio da dor durante o trabalho de parto, como ervas, imersão em água e estimulação nervosa.
2. Uso rotineiro de amniotomia precoce (romper a bolsa d’água) durante o início do trabalho de parto.
3. Pressão no fundo uterino durante o trabalho de parto e parto.
4. Manobras relacionadas à proteção ao períneo e ao manejo do polo cefálico no momento do parto.
5. Manipulação ativa do feto no momento de nascimento.
6. Utilização de ocitocina rotineira, tração controlada do cordão ou combinação de ambas durante a dequitação.
7. Clampeamento precoce do cordão umbilical. Estimulação do mamilo para aumentar contrações uterinas durante a dequitação.

       D) Condutas freqüentemente utilizadas de modo inadequado

1. Restrição de comida e líquidos durante o trabalho de parto.
2. Controle da dor por agentes sistêmicos.
3. Controle da dor através de analgesia peridural.
4. Monitoramento eletrônico fetal .
5. Utilização de máscaras e aventais estéreis durante o atendimento ao parto.
6. Exames vaginais freqüentes e repetidos especialmente por mais de um prestador de serviços.
7. Correção da dinâmica com a utilização de ocitocina.
8. Transferência rotineira da parturiente para outra sala no início do segundo estágio do trabalho de parto.
9. Cateterização da bexiga.
10. Estímulo para o puxo quando se diagnostica dilatação cervical completa ou quase completa, antes que a própria mulher sinta o puxo involuntário.
11. Adesão rígida a uma duração estipulada do segundo estágio do trabalho de parto, como por exemplo uma hora, se as condições maternas e do feto forem boas e se houver progresso do trabalho de parto.
12. Parto operatório (cesariana).
13. Uso liberal ou rotineiro de episiotomia. Exploração manual do útero depois do parto.