sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Relato de parto com analgesia por - Ric Jones

Colo aqui mensagem da lista Partonosso onde o Obstetra Ricardo Jones fala de uma analgesia de parto. Vale ler!

"Queridas...

Esta semana que passou nós atendemos aqui em Porto Alegre um caso bastante
especial.

Uma paciente primigesta com muita vontade de ter seu parto em casa começou com
contrações na madrugada e solicitou a nossa presença em sua casa.

Fomos lá os três: médico, enfermeira obstetra e doula.

Estava prodromando, mas resolvemos aguardar por lá mesmo...

Por volta das 11h ela me chamou e pediu que lhe fizesse um exame. Estava com
muita dor e queria um exame para estabelecer um prognóstico.

Ao exame: cabeça baixa, dinâmica 3-4/10min, bolsa íntegra, 4 cm de
dilatação, colo 100% apagado.

Ela então disse: "Não agüento mais de dor. A dor é insuperável. Ela está
me aniquilando".

Eu então lhe disse: "A dor é um sentimento, portanto absolutamente subjetivo.
Somente você pode aquilatar a dor que possui, seja ela de ordem física ou
moral. A única ferramenta de que disponho é o respeito à sua descrição. Se
você me disser que está no limite suportável da sua dor só me cabe passar ao
passo seguinte, conforme o combinado no pré-natal".

"Eu sei o que isso dignifica, disse ela. Vamos para o hospital. Eu quero fazer
uma analgesia".

"Tem certeza?" disse eu.

Absoluta", respondeu ela.

Assim fomos para o hospital. Chegamos por volta do meio dia e o anestesista logo
depois.

Fizemos a analgesia e no momento em que a droga tomava conta do seu corpo eu
senti literalmente o seu corpo todo afrouxar. Um sorriso apareceu em seu rosto.
Pela primeira vez nas últimas horas seu rosto ficou distensionado e solto. Ela
disse alguma coisa como "Que coisa boa"... sorriu e deitou-se na cama.

Eu não fiz novo exame no hospital porque o último havia sido feito menos de
uma hora antes. Imaginei que devia estar, na melhor das hipóteses, entre 5 e 6
cm.

Passados 30 minutos da analgesia Zeza escutou os batimentos. Estava entre 90 e
100. Saltei da poltrona e pensei: somente duas coisas explicariam isso: um
verdadeiro sofrimento agudo, ou um nascimento iminente.

Levantei a bata e ... surpresa! Estava praticamente coroando, bastava uma leve
separação dos lábios vaginais e a cabeça do pequenino aparecia.

Alguns puxos dirigidos (ela não sentia o suficiente para empurrar por vontade
própria) e o bebê nasceu.

Um menino, apgar 8 e 9, uns três quilos e meio.

Ok... que história é essa?

Parece uma descrição banal de parto hospitalar. Uma paciente que realiza
analgesia e o bebê nasce logo depois. E daí?

Conto esta história por uma razão. Depois de 30 anos de assistência ao parto,
é a primeira vez que vejo uma distócia por dor aparentemente verdadeira. Isto
é: pela primeira vez eu escutei de uma paciente um pedido de analgesia por dor
insuperável. E o resultado rápido e positivo do processo me mostra que
provavelmente era essa a questão: uma dor que iniciava o círculo vicioso de
medo-tensão-dor. Quanto mais dor ela sentia, mais se "fechava" e isso a deixava
tensa e amedrontada. A engrenagem do parto emperrava claramente por uma
disfunção de sua percepção de dor. A analgesia cortou o processo com
resultados excelentes. É verdade que foi de forma artificial, drogal,
medicamentosa. É verdade também que alienou a paciente do processo, mesmo que
de forma parcial. Entretanto, nossa alternativa seria uma cesariana ou um parto
"na marra" e com muita dor. Senti como sendo o uso adequado de tecnologia, num
processo em que todas as formas não medicamentosas de assistência já haviam
sido utilizadas, com resultados meramente parciais. Banhos, massagens, moxa,
acupressura, etc., nada disso foi suficiente. Só então partimos para o recurso
da analgesia.

Escrevo este caso para dizer que, sim, existe espaço para analgesias em
trabalho de parto. Pela primeira vez vi um caso em que ela foi determinante,
pois a dor era o elemento obliterante. Uma "distócia álgica" no dizer
empolado do Max. Bastou que agíssemos pontualmente sobre esta questão para que
o parto se processasse em minutos.

Levei quase 30 anos para encontrar um caso como este, mas este nascimento prova
que - em algumas circunstâncias - as analgesias podem ser o fator determinante
e positivo para se conseguir o sucesso de um parto vaginal.

Beijos a todos e feliz Natal

Ric